TRINCHEIRA (Poesia de Guilherme de Almeida) Agora é o silêncio... É o silêncio que faz a última chamada... É o silêncio que responde: — "Presente!" Depois será a grande asa tutelar de São Paulo, asa que é dia, e noite, e sangue, e estrela, e mapa descendo petrificada sobre um sono que é vigília. E aqui ficareis Heróis-Mártires, plantados, firmes para sempre neste santificado torrão de chão paulista. Para receber-vos feriu-se ele da máxima de entre as únicas feridas na terra, que nunca se cicatrizam, porque delas uma imensa coisa emerge e se impõe que as eterniza. Só para o alicerce, a lavra, a sepultura e a trincheira se tem o direito de ferir a terra. E mais legítima que a ferida do alicerce, que se eterniza na casa a dar teto para o amor, a família, a honra, a paz. Mais legítima que a ferida da lavra, que se eterniza na árvore a dar lenho para o leito, a mesa, o cabo da enxada, a coronha do fuzil. Mais legítima que a ferida da sepultura, que se eterniza no mármore a dar imagem para a saudade, o consolo, a benção, a inspiração. Mais legítima que essas feridas é a ferida da trincheira, que se eterniza na Pátria a dar a pura razão de ser da casa, da árvore e do mármore. Este cavado trapo de terra, corpo místico de São Paulo, em que ora existis consubstanciados, mais que corte de alicerce, sulco de lavra, cova de sepultura, é rasgão de trincheira. E esta perene que povoais é a nossa última trincheira. Esta é a trincheira que não se rendeu: a que deu à terra o seu suor, a que deu à terra a sua lágrima, a que deu à terra o seu sangue! Esta é a trincheira que não se rendeu: a que é nossa bandeira gravada no chão, pelo branco do nosso Ideal, pelo negro do nosso Luto, pelo vermelho do nosso Coração. Esta é a trincheira que não se rendeu: a que atenta nos vigia, a que invicta nos defende, a que eterna nos glorifica! Esta é a trincheira que não se rendeu: a que não transigiu, a que não esqueceu, a que não perdoou! Esta é a trincheira que não se rendeu: aqui a vossa presença, que é relíquia, transfigura e consagra num altar para o vôo até Deus da nossa fé! E pois, ante este altar, alma de joelho à vós rogamos: — Soldados santos de 32, sem armas em vossos ombros, velai por nós!; sem balas na cartucheira, velai por nós!; sem pão em vosso bornal, velai por nós!; sem água em vosso cantil, velai por nós!; sem galões de ouro no braço, velai por nós!; sem medalhas sobre o cáqui, velai por nós!; sem mancha no pensamento, velai por nós!; sem medo no coração, velai por nós!; sem sangue já pelas veias, velai por nós!; sem lágrimas ainda nos olhos, velai por nós!; sem sopro mais entre os lábios, velai por nós!; sem nada a não ser vós mesmos, velai por nós!; sem nada senão São Paulo, velai por nós! (Voltar) |